Exibição em Directo de um Parto e uma Cesariana, na SIC

18-09-2010 08:09

O Espaço Mãe afirma aqui o seu protesto contra a forma leviana e absolutamente incoerente como foi tratado o momento do parto na estreia do programa da SIC "Boa Tarde", no passado dia 13 de Setembro de 2010.

Ao longo de um programa completamente produzido no sentido ganhar audiencias, sem qualquer objectivo educativo, foram violados varios aspectos dos direitos humanos desde o primeiro momento da vida, que tocam a privacidade de momentos muito íntimos da vida dos individuos e o respeito pelo normal curso de um aconteciemeto intenso como é o parto.

Não é o facto de ser transmitido um parto em directo na televisão que choca contra os principios internacionais da humanização do parto, veículados também pela Organização Mundial de Saúde. O que é extremamente grave e inaceitável é a forma como foi feito, sem qualquer preparação por parte da jornalista. Perguntas constantes à mulher, que deveria estar completamente entregue à sua experiencia, perguntas à equipa que a estava a assistir, microfone que passava de um lado para o outro sem qualquer pudor ou respeito pelo momento único na vida daquela mulher e daquele bebé, atentando assim contra os mecanismos básicos da vinculação, são inconcebíveis.

Para além disso, é chocante constactar a facilidade com que os hospitais envolvidos (Santa Maria e Beja) abrem as portas de uma sala de partos e de um bloco operatório a uma equipa de televisão, composta no mínimo por uma jornalista e um operador de camara, mais os equipamentos necessários à captação de imagem e som, quando tantos pais têm sido impedidos de estarem presentes em cesarianas e quando tantas mulheres se tem visto na dificil posição de ter de escolher entre o companheiro e a doula para estarem consigo no momento do parto.

Deixamos aqui o link para o programa emitido, para que melhor possam compreender do que falamos

https://www.humpar.org/comunicado-ao-programa-boa-tarde.html 

Pelo exposto, também o Espaço Mãe, à semelhança do que aconteceu com a Associação Doulas de Portugal, expõe aqui o seu repúdio pelo sucedido, e subscreve inteiramente a carta redigida pela Humpar:

 

 

Comentário ao Programa "Boa tarde", exibido na SIC a 13 de Setembro de 2010

A SIC exibiu, no passado dia 13 de Setembro de 2010, durante a estreia do programa "Boa tarde", uma reportagem na qual transmitiu em directo imagens não editadas de um parto e uma cesariana, ocorridas respectivamente no Hospital de Santa Maria em Lisboa e Hospital de Beja. A Humpar não se conforma com a forma como este tema foi tratado e enviou o seguinte comunicado à estação de televisão, manifestando o seu repúdio:


Exm.º Senhor Director de Programas da SIC – Sociedade Independente de Comunicação,

A Humpar — Associação Portuguesa pela Humanização do Parto — gostaria de expressar o seu descontentamento em relação à peça televisiva exibida ontem, dia 13 de Setembro de 2010, na estreia do programa Boa Tarde, apresentado por Conceição Lino. Os motivos que levaram a vossa estação a exibir em directo um parto e uma cesariana são por demais evidentes: vivemos numa sociedade mediatizada, na qual o papel da imagem televisiva assume uma relevância exacerbada, e as televisões não olham a meios para atingir os seus fins.

Conseguir audiências à custa do sacrifício dos valores éticos mais básicos é prática comum nos nossos dias, e os reality shows tornaram-se o paradigma dos dias de hoje. No entanto, o voyeurismo associado ao programa em questão consegue ser verdadeiramente chocante.
Em primeiro lugar, porque em nada contribui para informar ou educar, limitando-se a mostrar em directo um parto e uma cesariana, sem qualquer contextualização que não seja a oportunidade (assumida!) de promover a estreia de um programa de televisão.
Em segundo lugar, porque invade a privacidade das pessoas envolvidas, incluindo os bebés recém-nascidos, que vêm assim devassado o seu direito, consagrado pela Constituição da República Portuguesa, da reserva à vida privada. E também porque embora seja óbvio que foi obtido o consentimento das parturientes, o simples facto de abordar mulheres num momento de fragilidade emocional como um parto revela mau gosto e pouco respeito pelas regras deontológicas do jornalismo e reportagem.
Acresce que a falta de preparação da apresentadora/repórter para assistir a um nascimento é notória — falar constantemente durante todo o processo, entabular diálogos e encetar perguntas ao pessoal técnico e à parturiente, viola as necessidades básicas de uma mulher em trabalho de parto, como qualquer pessoa que se encontre numa sala de parto tem obrigação de saber.
Aliás, a conivência das administrações hospitalares e do pessoal médico com a situação é igualmente grave.
Actualmente nos hospitais portugueses a mulher tem direito a um acompanhante (não podendo optar, por exemplo, pelo acompanhamento simultâneo do companheiro e de uma doula), conforme estipulado por lei, e em muitas situações a observância deste direito nem é respeitada, invocando-se motivos logísticos. É inadmissível que se tenham aberto excepções a esta norma, ao permitir a permanência de pessoas estranhas durante o parto, sacrificando-se assim o direito de uma utente do Serviço Nacional de Saúde às condições necessárias para um parto bem sucedido, em nome de um mediatismo desprovido de princípios.

Porque estas imagens são demasiado graves para passarem em branco, repudiamos veementemente a "reportagem" por vós exibida, e gostaríamos de ver este comunicado divulgado publicamente, uma vez que temos conhecimento, através dos nossos associados, que muitos dos espectadores portugueses estão descontentes com a exibição das imagens em causa.

O nascimento é sem dúvida um tema que está na ordem do dia (e a SIC tem no seu currículo trabalhados jornalísticos de qualidade sobre o assunto), que merece um tratamento sério e elucidativo. Seria no mínimo interessante proporcionar um debate alargado acerca do que foi exibido, com possibilidade de contraditório. A Humpar declara-se desde já disposta a participar.

Atentamente,

A Direcção da Humpar 14 de Setembro de 2010